segunda-feira, 14 de março de 2011

Post Mortem


            Era mais uma manhã de um dia qualquer. Acordei novamente como se estivesse sido atropelado por um trator, esse mal-estar já se fazia natural em minha vida. Do dia anterior uma vaga lembrança me vinha à tona com o alvorecer. Lavei o rosto; escovei os dentes; coloquei as mãos nos bolsos e peguei um papel, havia um número nele, 90058600, talvez fosse da Ana Carolina, ou da Lúcia, mas não fazia diferença, amassei e joguei-o fora.
            Me dirigi à geladeira, precisava de algo com glicose para sanar aquele mal-estar. Na parede o calendário marcava ano 2000 embora não fizesse diferença. De repente me veio à tona alguns amigos, uma loira que não conseguia reconhecer, talvez fosse da casa ou estivesse acompanhada com alguns dos meus amigos; mais mulheres vieram, eram quatro ao total, traziam consigo uma garrafa Jonie Walker 12 anos cada uma. Consegui me lembrar dos acontecimentos até o fim da segunda garrafa.
            Alcancei uma barra de cereais e não fiz esforço para lembrar o resto. É sempre assim, depois da segunda garrafa realidade se confunde com pesadelo e é melhor esquecer do que vem pela frente, no outro dia é só buscar uma nova ilusão para seguir.
            Não pense o leitor que minha vida sempre foi assim medíocre, houve um tempo em que o Sol parecia brilhar mais e que a comida tinha um sabor melhor, as pessoas tinham mais graça, não havia lugar para tristeza em meu ser, todo vazio era preenchido por uma sutil emoção e a vida era uma dádiva divina. Porém, não estou aqui para mistificar minha vida, apenas lhe contarei onde termina a vida de um homem e começa a de um rato.
            Existem três momentos que caracterizam a vida de um homem. O 1° é quando ele nasce; o 2° quando ele entende porque nasceu; e o 3° quando ele morre. Espero que o leitor entenda que o sentido de nascer e morrer aqui ditos não se restringe ao corpo físico, mas quero dizer que um homem nasce quando encontra um motivo para viver, e passa a viver em torno disso. No meu caso, meu 1° momento aconteceu em meados dos anos 80 e se chama Mirella.
            Quando à conheci não tinha nenhuma pretenção para a vida, estava saindo de minha adolescência e ela também, talvez por isso nos aproximamos sem entender o porque, aos poucos compartilhavamos nossos conflitos da vida, tinhamos algo em comum, ela me entendia e eu a entendia. Quase que como consequência, nos apaixonamos. Começamos o namoro.
            Passado alguns anos, aprendemos que não existem pessoas perfeitas e que o amor não é suficiente para mudar uma pessoa, e quando se entende isso, se faz mister entrar logo no 2° momento. No meu caso, ignorei a ordem e o resultado se alterou. Passamos a brigas que dilaceravam tudo àquilo que já haviamos contruido juntos, era preciso uma mudança. Não houve mudanças. Terminamos o namoro. Morri.
            A morte é algo incomum, somente quem já morreu alguma vez o sabe. Após morrermos entramos num mar de pensamentos que colidem entre si a todo momento. Procuramos o erro fulminante de nossa morte, e com o tempo até o encontramos, mas não raro olvidamos o erro, e o repetimos novamente. Alguns meses após minha morte, me encontrava aos 19 anos sem pretenções para o futuro. Foi quando me encontrei, embora tarde, no 2° momento. Tudo fazia sentido agora, eu entendia porque havia nascido. Sentia-me bem ao lado dela, ela havia me dado tantas coisas boas, ensinou-me que a vida é bela em suas mais simples projeções, e belo era poder viver ao seu lado. E eu ? O que havia dado a ela ? Nada! Apenas me agarrei a ela e fui egoísta. De todos os momentos que passamos juntos, raros foram os que eu pude sair de minha morbidez egoísta e faze-la feliz como ela me fazia.
            Entendendo isso, algo dentro de mim crescia novamente, sentia-me vivo, sentia que devia utilizar todas as forças restantes e dizer a ela que dessa vez seria diferente, que agora eu entendia o erro cometido e que daria tudo certo entre nós. Fui ao seu encontro. Palestramos por mais de duas horas e talvez algumas horas à mais teriam sido necessárias para alcançar o objetivo, talvez eu não devesse ter alterado a ordem dos momentos da vida de um homem, porém, já não importava mais saber. Fui rejeitado. Morri pela segunda vez. 
            Meu caro leitor, quando morremos duas vezes nada mais parece ter graça, o gosto da comida se perde, as pessoas aparecem como sombras ao seu olhar, cada dia é como um dia de inverno com tempestades intensas, e eu costumo dizer que após a segunda morte, não é mais um corpo de um homem que vive, mas o de um rato que adormece dia após dia sem se importar com o que possa acontecer, acordando em cada manhã de um dia qualquer.

2 comentários:

  1. Interessante, entretanto, pq nao trabalhas, hoje novamente neste texto?
    abraço ^^

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  2. Trabalharei, assim que descobrir o que voce quis dizer kkk
    Abraço Rapha!

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